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A Cidade-Mandala


A cidade nasceu, entre outras coisas, em função do aumento populacional e da necessidade de racionalizar o espaço útil. As pessoas não podiam ficar o tempo todo lutando por novos espaços, como faziam os indígenas e os caçadores-coletores. Então a melhor forma seria adaptar a maneira de viver em áreas limitadas.
Mas isto não é tudo. O objetivo seria também, sem se afastar de todo da Natureza, o de requalificar a consciência humana pela unidade cultural e a dedicação a forças sagradas. Naturalmente tudo isto apenas apareceu após muito tempo de experimentos e reflexões por parte dos sábios da Antiguidade.

A idéia é que os antigos buscaram fazer no espaço coletivo, aquilo que os místicos buscam realizar com suas mandalas em favor do indivíduo, ou seja, organizar o seu mundo interior. Ou a criação de um cosmos organizado, em contraposição ao caos circundante, tal como qualquer espiritualista busca se recolher para cultivar energias interiores, alimentando-se assim também espiritualmente.
Diz Mircea Eliade, em seu texto intitulado “Cosmogonia e Urbanismo”:
“Quando o sagrado se manifesta em qualquer hierofania, há não apenas uma ruptura na homogeneidade do espaço; há também a revelação de uma realidade absoluta, oposta à irrealidade do vasto espaço circundante. A manifestação do sagrado cria o mundo ontologicamente. Na expansão homogênea e infinita, na qual é impossível haver um ponto de referência, de onde se possa estabelecer alguma orientação, a hierofania revela um ponto fixo absoluto, um centro.”

Neste processo, a ritualística é um dos elementos fundamentais, pois denota a plena consciência do sagrado. Ele torna o mundo enobrecido, distinguindo algo superior e bom, ordenado e de valor espiritual, ao invés de um caótico abandono às coisas. A consciência de centro organizado assim no espaço, é apenas a projetação da presença de um centro interior do indivíduo, e eventualmente de forças espirituais ativas atuando no ambiente.

“Se o mundo é para ser vivido, ele deve ser fundamentado –e nenhum mundo pode surgir do caos da homogeneidade e relatividade do espaço profano. A descoberta ou projeção de um ponto fixo –o centro– equivale à criação do mundo. A orientação dada pelo ritual e a construção do espaço sagrado tem um valor cosmogônico; porque o ritual, através do qual o homem constrói um espaço sagrado, vale na medida em que reproduz o trabalho dos deuses, ou seja, a cosmogonia. (M. Eliade, Ensaios em Religiões Comparadas, Interlivros, B.H.)

A consagração de um espaço é importante, mas sua organização como centro também é. O preceito da ordem e proteção, está implícito na idéia da inacessibilidade de Shambala ou de Agartha. Como escreve Saint Yves d’Alveydre, a Agartha é inacessível ao caos, à desordem e à anarquia. Assim, mais do que uma condição, a invasibilidade era uma franca proposta para as cidades sagradas da Tradição.
Talvez houvesse mais do que a busca pela segurança militar nas muralhas das cidades medievais. A idéia da cidade aberta, é negativa desde o ponto-de-vista da ordem superior. Não se estima plausível alguém pretender o próprio isolamento, coisa que pode ser vista com suspeição, uma ameaça potencial à segurança grupal. Aquele que desejasse penetrar numa comunidade, até poderia fazê-lo sob certas condições. A questão material era a menor importância, pois a princípio havia espaço para todos que desejassem trabalhar e conviver harmonicamente, contribuindo com seus dons. Neste caso, uma pessoa com habilidades, sempre poderia ser especialmente bem-vinda.

A arquitetura sedimenta no imediato aquilo que existe no maior, fazendo um elo consciencial entre o interior e o exterior, ou entre o material e o espiritual. Pois tampouco existe separação entre arquitetura e urbanismo. A arquitetura estaria para o indivíduo, assim como o urbanismo está para a coletividade. E mesmo esta definição é bastante limitada.
Organizar uma cidade é recriar um universo. “Cada nova cidade representa um novo começo do mundo.” (Eliade) e isto é tão mais verdadeiro quanto é máxime a vocação de uma sociedade. Os centros urbanos que vamos analisar na sequência (depois teremos a oportunidade de nos deter melhor nos Capítulos que seguem), integram uma cosmologia árya de base quintessencial, pois se tratava esta da Quinta Raça raiz, cuja vastu-mandala (tabuleiro espacial) deveria representar a conquista interior e o controle dos elementos da Natureza, na sua centralização sob um novo vetor solar e universal capaz de redimensionar e requalificar estas forças, pela mútua combinação das forças.
Assim, como centro imperial, Roma deveria estar imbuída de todos estes elementos solares e centralizantes:

“A história de Roma, bem como a história de outras cidades ou povos, começa com a fundação da cidade; o que quer dizer ser a fundação o mesmo que uma cosmogonia.” Conforme sabemos da lenda de Rômulo, a abertura do fosso circular, o sulcus primigenius, queria dizer a fundação das muralhas da cidade. No centro de Roma havia uma abertura, mundus, o ponto de comunicação entre o mundo terrestre e as regiões inferiores. Rosher, daí, interpretou o mundus como um omphalos (o umbigo da terra); a cidade em que havia um mundus era considerada como situada no centro do mundo, no centro do orbis terrarum.” (“Cosmogonia e Urbanismo”, M. Eliade)

Outra simbologia importante é do quadrado, denotando a totalidade das direções, as forças do mundo, as raças humanas, etc., presente na imagem, na conformação, na simbologia e no próprio nome de muitos centros urbanos e imperiais antigos, como a divisão em quatro da Cuzco inca e da Tenochtitlan asteca, ou no nome incaico do Império das Quatro Direções. Em Roma isto repete:

“Também já se propôs corretamente que a expressão Roma quadrata devesse ser compreendida não como sendo de forma quadrada, mas dividida em quatro partes. A cosmologia romana baseava-se na imagem da terra, dividida em quatro regiões.” (Eliade, Op. cit. - ver mais abaixo, sobre esta cidade)

Na Índia, este quadro aparece muito cedo, estando geralmente relacionada à mitologia do monte Meru, que serve no Hinduísmo de referência para a idéia de centro universal. Diz Eliade:

“Concepções semelhantes serão encontradas em todo lugar no mundo neolítico e na primeira Idade de Bronze. Na Índia, tanto a cidade quanto o templo eram construídos à semelhança do universo. Os ritos de fundação representam a repetição da cosmogonia. No centro da cidade está simbolicamente localizado o Monte Meru, a montanha cósmica, com os deuses mais importantes; cada um dos quatro portões principais da cidade está sob a proteção de um deus. Num certo sentido, a cidade e seus habitantes são elevados a um plano sobre-humano: a cidade é assimilada ao Monte Meru e os habitantes se tornam “imagens” dos deuses. No século XVIII, Jaipur foi construída segundo o modelo tradicional descrito no Silpasatra.” (op. cit.)

No Camboja, o império Khmer gerou uma das mais impressionantes obras urbanas e arquitetônicas da humanidade, através do complexo centralizado em Angkor Wat (quer dizer “Cidade-Templo”), onde todo este simbolismo solar é explorado em nuance de maravilha, nesta cidade iniciada no século XII pelo rei Suryavarman (significa “protegido do Surya”, o deus-Sol). Citemos:

“A cidade com suas muralhas e fossos representa o mundo cercado por suas cadeias de montanhas e oceanos míticos. O templo, no centro, simboliza o Monte Meru, suas 5 torres se erguendo como os 5 picos daquela montanha sagrada. Os santuários que fazem parte do templo representam as constelações em seus cursos, ou seja: o Templo cósmico. O principal ritual imposto aos fiéis consiste em caminhar em redor do edifício do templo na direção prescrita, de forma a passar sucessivamente por cada estágio do ciclo solar, ou seja, cruzar o espaço paralelamente ao tempo. O templo é, de fato, um cronograma, simbolizando e controlando a cosmografia sagrada e a topografia do Universo, do qual ele é o centro ideal e o organizador.” (Bernard-Philip Groslier & Jacques Arthaud; The Arts and Civilization of Angkor, p.30.)

Angkor-Wat (“Cidade-Templo”), Camboja

Assim, neste rito dramatiza-se a unidade espaço-temporal mandalizando (ou cosmificando) a consciência do praticante. Vizinha ao Camboja, o antigo reino do Sião, hoje Tailândia, rivalizava com o império Khmer. Inicialmente, atentemos para esta palavra: o nome Sião está presente na mitologia hebraica, como sinônimo de terra prometida. Citemos, porém:

“Com algumas variações, encontramos o mesmo padrão em todo o Sudeste asiático. Sião estava dividida em quatro províncias com a capital no centro, e, no centro da cidade, erguia-se o palácio real. O país era, assim, uma imagem do mundo; porque, de acordo com a cosmologia siamesa, o universo era um quadrilátero com o Monte Meru no centro. Bangkok é chamada ‘a cidade real dos deuses’, ‘A Cidade dos Deuses’, e daí por diante. O rei, situado no centro do mundo, era um chakravartin, um regente cósmico. Da mesma forma, em Burma, a cidade de Mandalai foi construída, em 1857, de acordo com a cosmologia tradicional, ou seja, como uma imago mundi –quadrangular e tendo o palácio real no centro.


Encontra-se na China o mesmo padrão cosmológico e a mesma correlação entre o cosmos, o estado, a cidade e o palácio real. Concebia-se o mundo como um retângulo, em cujo centro estava a China; nos quatro horizontes estavam situados os quatro mares, as quatro montanhas sagradas e as quatro nações bárbaras. O plano de construção da cidade obedecia à forma de um quadrilátero, com três portões de cada lado e com o palácio real no centro, semelhante à Estrela Polar. A partir desse centro, o soberano perfeito podia influenciar todo o universo.” (Eliade, op. cit.)

A cidade tradicional corresponde à elaboração de um espaço sagrado e organizado, por deter em seu coração um poder espiritual ativo. Esta forma de “influência” seria universal, em tese, seja política, artística ou espiritual, mas certamente muita coisa ficava apenas nas intenções. Mais sorte tinham quando os governantes se colocavam sob a orientação de sábios e profetas, aí poderia nascer um Asokha ou um Kublai.
Acreditamos não ser nada casual que este contexto oriental, sob a quinta raça-raiz (árya), tenha dado tal ênfase ao simbolismo quintessencial. O contexto áryo posterior, todavia, inovou na Pérsia, dando uma dimensão mais cósmica à sua arquitetura, em contraparte ao solar-quintessencial da vastu-mandala (tabuleiro espacial) árya-atlante.

“A capital iraniana tinha o mesmo traçado; concebia-se o universo como uma roda com seis raios e uma grande abertura no meio, como um umbigo. Os textos proclamam que o ‘país iraquiano’ (sic) é o centro e o coração do mundo. Por esta razão, Shiz, a cidade onde Zaratustra nasceu, era considerada a origem do poder real (ou seja: o berço de uma dinastia sagrada –LAWS). O trono de Khosrau II era construído de tal maneira que simbolizasse o universo. O soberano iraniano era chamado o ‘Eixo do Mundo’ (kutb), ou o ‘Polo do Mundo’. Sentado no trono, em seu palácio, o rei estava simbolicamente situado no centro da cidade cósmica, a Uranópolis.” (Eliade, (p. cit.)

Apesar da qualidade ímpar das civilizações do Oriente Próximo, o fato é que a luz dos persas sempre fez a diferença. Esta alteração da estrutura simbólica, dever-se-ia à proximidade da Era de Peixes (de 6º Raio ou sob a energia de Júpiter), assim como profeticamente à raça vindoura. Tal coisa também aconteceu no contexto meso-americano, sob a ação do gênio tolteca. Inicialmente, elaboraram uma simbologia de colunatas de ritmo quádruple em Tula. Mais tarde, já em Chichén Itzá, adaptaram a situação para grupos de seis colunas.


A Roma quadrata



O nome de Roma deriva da deusa protetora das cidades. A expressão Roma quadrata, designa o traçado original de Roma realizado por Rômulo, datando assim da fundação da cidade. Consta que o significado original do termo, já havia se tornado obscuro para os historiadores latinos e gregos do período republicano (séculos V a I a.C.). A atribuição urbanística, seria apenas uma das interpretações do tema.

Alguns julgam se tratar de uma estrutura ou área existente dentro do pomerium (significa “além dos muros”) original da cidade, lugar considerado especialmente sagrado, onde não se podia a princípio fazer enterros e nem portar armas, definindo também os limtes geográficos da Roma legal, sendo que para além dele continuava o mundo romano mas não era Roma. Certamente se queria preservar esta área central da profanação e da poluição.

O pomerium não era na verdade um recinto amuralhado (o qual foi mais tarde construído, inaugurada por Sérvio Túlio), mas sim uma forma legal e religiosamente definida, marcado por sulcos e com pedras brancas (cippi), tratando-se de uma tradição etrúria sendo Lívio.
Naturalmente, a cidade se ampliou para muito além do pomerium –já que no seu auge no século II a.C., Roma chegou a abrigar até cerca de 45.000 prédios de apartamentos e um milhão e seissentas mil pessoas, sendo talvez a primeira megalópole da História-, mas se tentou preservar a sacralidade deste núcleo original enquanto foi possível. O primeiro general romano a violar esta regra foi Sulla (138 aC – 78 aC).

No alto, temos a Roma quadrata numa ilustração de 1527, feita pelo filólogo Marco Fabio Calvo, que participou do projeto de Raffael de reconstruir a Roma Imperial. Trata-se da primeira tentativa de obter uma visualização sistemática do plano urbanístico de Roma durante as suas diversas fases históricas, o que não raro resultava em fantasias.

Esta versão se inspira na opinião de Plínio, para quem a Roma original incluía não sete, mas quatro colinas no seu interior. A simetria das montanhas –assim como de todo o conjunto-, pode ser uma fantasia ou uma representação simbólica, de resto, a estilização do tema soa evidente.
Seguindo uma tradição antiga, a gravura mostra os pontos cardeais de uma forma hierarquizada, com o Leste na parte superior. É nele também que se registra a primeira porta, no nascente (ortius) -onde geralmente se coloca o altar dos templos-, seguindo depois para o Norte (septentrio).

De fato, todo o traçado segue uma divisão cosmológica – a própria distribuição angular em cruz, acima, remete a uma concepção astronômica ou astrológica. Os pontos cardeais, são como os solstícios e os equinócios, as quatro muralhas são as Estações do ano, onde as duas torres de cada muralha faz a divisão dos três meses ou signos de casa Estação. No centro de tudo, temos um templo dedicado a Hércules, o herói que ajudou Atlas a sustentar o mundo.
Não podemos descartar que a representação dada, tivesse certa influência religiosa cristã, porque o quadro se assemelha ao traçado do templo de Ezequiel e, mais ainda, à Jerusalém celeste do Apocalipse de São João, apesar desta conter 12 e não apenas quatro portas.

Resgates do Urbanismo sagrado

Existe, portanto, muita tradição acumulada, através de registros, resquícios e até literatura sobre as ciências do espaço harmônico. Na atualidade, se começa a resgatar e difundir os conhecimentos do urbanismo sagrado, seja na esfera da geografia, da topografia ou da arquitetura. Nossas obras “As Cidades da Luz” e “Vaikuntha”, representam basicamente propostas modernas de aplicação de saberes milenares, não obstante adaptados aos tempos atuais a partir das próprias profecias. Tudo isto integra os saberes de Vastu Vidya, a Ciência indiana de harmonizar e integrar espaço-tempo.

Dentro de uma perspectiva mais conservadora ou atávica, também se deve mencionar os esforços de Maharishi Mahesh Yogue, que tem desencavado várias preciosas ciências védicas em benefício do mundo, empregando no caso especialmente a expressão “Sthapatya Veda”. Citemos um site desta escola:

“Sthapatya Veda Maharishi é a ciência da construção de acordo com a Lei Natural. Maharishi Sthapatya Veda, ou Vastu Vidya, é a revitalização da antiga disciplina védica da arquitetura. É um sistema completo de arquitetura e ordenamento do território de acordo com as influências solar, lunar e planetária sobre a Terra, com referência aos pólos norte e sul e o equador. Ele se conecta a inteligência individual com a Inteligência Cósmica.
“A palavra Sthapatya meios para estabelecer, e a palavra Veda significa conhecimento da Lei Natural. Maharishi Sthapatya Veda significa estabelecer vida individual e coletiva em pleno acordo com a Lei Natural.
“Sthapatya Veda é a ciência da estrutura e relacionamento, capaz de congregar a unidade e a diversidade, e institui a totalidade da vida em cada parte da vida, de modo que a relação de cada parte com o todo está muito bem equilibrado.”
(www.mvoai.org/noflash_sthapatya.html)

Na verdade, o texto acima integra uma página voltada especialmente para a área agrícola, o que demonstra a riqueza e as possibilidades destas ciências milenares.

Da obra “Arquitetura sagrada eurbanismo solar”, Luís A. W. Salvi, Ed. Agartha, AP

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